sexta-feira, 29 de março de 2013

[SGM] Os Soldados não-Arianos de Hitler

Voluntários soviéticos da Ásia Central

Mesmo hoje, mais de sete décadas após o início da Segunda Guerra Mundial, parece incrível que milhares de homens cujos países foram conquistados pelos nazistas se apresentaram como voluntários na temível SS. Centenas de milhares foram voluntários ou se alistaram nas forças armadas alemãs, Wehrmacht (Heer/Exército, Kriegsmarine/Marinha e Luftwaffe/Força Aérea). Muitos não tiveram escolha, mas um número significativo desejava ser membro dessas organizações, e aqueles que serviram na SS eram, em sua maioria, voluntários.

Durante o andamento da Segunda Guerra Mundial, a Waffen-SS (SS Armada, o ramo militar da SS) cresceu de uma força de elite de quatro regimentos compostos somente de cidadãos alemães, que obedeciam os padrões físicos e raciais de Heinrich Himmler, para uma força poliglota de 900.000 homens em 39 divisões, sendo mais da metade formada por voluntários estrangeiros ou alistados. Mesmo assim, em seu auge, a Waffen-SS representou apenas um décimo da força da Wehrmacht – apesar de ter sido responsável por um quarto da força blindada alemã.

Poucas pessoas compreendem o quão eram internacionais as forças armadas alemãs na Segunda Guerra Mundial. É estimado que cerca de dois milhões de estrangeiros serviram sob a suástica. Apesar de no final da guerra grande parte deles terem sido transferidos para a SS, muitos ainda serviram no Exército, particularmente na frente oriental. Os mais comprometidos entre os voluntários estrangeiros encontraram um lar na SS, de modo que a organização assumiu mais uma aparência da famosa Legião Estrangeira francesa do que a de uma unidade de elite alemã.   

Apesar da SS não receber voluntários não-alemães até quase metade do conflito na Rússia, a ideia de recrutar tais homens data antes da guerra. Em sua busca por uma Europa pan-germânica, o Reichsführer-SS (Comandante Supremo) Heinrich Himmler decretou em 1938 que não-alemães de origem “nórdica” poderiam se alistar na SS. Isto se devia ao fato de que a Wehrmacht detinha o monopólio e a preferência do alistamento militar sobre os cidadãos do Reich. O explosivo crescimento da Waffen-SS refletiu o desejo de Himmler de criar um instrumento de poder político que seria o guardião da revolução nacional socialista no interior da Alemanha. Noruega, Dinamarca, Holanda e Bélgica tinham seus próprios partidos fascistas, criados segundo o modelo alemão ou italiano. No início, era a doutrina racial nazista que determinava o nível de aceitação dos voluntários. Dinamarqueses, noruegueses e flamengos (belgas germânicos) eram considerados “arianos”, enquanto que franceses, espanhóis e valões (belgas franceses) não eram considerados racialmente puros.

O soldado alemão ideal, o melhor entre as elites, conquistou a Polônia após ter tomado a Áustria e derrotou as tropas belgas, holandesas, francesas e britânicas. Somente os finlandeses, noruegueses, dinamarqueses, holandeses, flamengos e valões eram bem vistos pelos nazistas, já que estes povos tinham origem germânica e ancestralidade nórdica, pois em 1941 e 1942, para Hitler, a questão da raça ainda era uma das forças motivadoras da Alemanha. Húngaros, búlgaros, romenos, croatas e eslovenos fizeram seu melhor na frente russa, mas jamais foram páreo para o soldado alemão treinado no estilo prussiano. De fato, apesar das primeiras formações no Exército e na Waffen-SS terem fortes motivações políticas, sua performance no campo de batalha não foi compatível com seu entusiasmo inicial. Exceção pode ser feita à Divisão Wiking, formada por escandinavos, que foi uma verdadeira tropa de elite. Comandada por Felix Steiner, um dos maiores nomes da Waffen-SS, a Wiking foi a primeira divisão internacional da SS.

A campanha na Rússia foi a grande força motivadora no recrutamento de estrangeiros. Descrita como uma cruzada contra o comunismo, a guerra no Leste atraiu muitos idealistas de extrema direita. No período entre guerras, a política europeia ficou fortemente polarizada entre dois sistemas políticos antagônicos, o fascismo e o comunismo, e o apoio soviético a movimentos comunistas locais tornou a União Soviética uma espécie de pária na Europa.

Graças ao rápido avanço na União Soviética, a Wehrmacht capturou quase três milhões de prisioneiros – entre eles mongóis, armênios e asiáticos, considerados em 1941 como “sub-humanos” - e os deixou para morrerem em campos de prisioneiros a céu aberto. Entretanto, o período entre 1941 e 1942 marcou uma guinada decisiva e inesperada em relação ao comportamento das autoridades nazistas com os “não-arianos”. No início de 1943, após a derrota do 6º. Exército, comandado pelo Marechal-de-Campo Paulus em Stalingrado, a necessidade por mais homens aumentou consideravelmente. No final deste ano, os nazistas recrutaram 80.000 ucranianos para a guerra contra a União Soviética, dos 17.000 se uniram à Divisão Galícia da Waffen-SS. A última onda de ucranianos recrutados apareceu no outono de 1944 e muitos líderes nacionais foram libertados dos campos de concentração alemães para se juntar ao exército de Vlasov na “guerra contra o Bolchevismo”.

À medida que a guerra progredia e os recursos humanos escasseavam, a SS diminuiu seus padrões raciais. A propaganda nazista também mudou à medida que mais não-arianos juntavam-se à Wehrmacht e à Waffen-SS. Os prisioneiros russos seriam recrutados dentro dos campos alemães; alguns o fizeram porque foram obrigados, outros porque eram anti-comunistas. Eles acabariam revelando-se bons soldados e certas “Tropas Orientais” (Osttruppen) permaneceriam lutando contra os soviéticos e gastariam seus últimos cartuchos pela causa alemã, tais como os kalmykianos (N. do T.: mongóis ocidentais da Rússia), chechenos, inguches, etc... Adolf Hitler e Himmler prometeram que, como último ato simbólico da vitória final, estes povos seriam libertados e tornados independentes.

Os bósnios, cristãos antigos convertidos ao Islã por diplomacia e razões pessoais durante a ocupação otomana, foram aceitos serem ilírios (tribos de indo-europeus que ocuparam a parte ocidental dos Bálcãs cerca de 400 a.C.), portanto quase arianos. Servidores leais do trono austro-húngaro, eles consequentemente mereceram ostentar as runas SS e a suástica em seus uniformes. Os mongóis foram considerados descendentes de Gengis-Khan, o grande conquistador e criador do maior exército móvel da história.

Assim, o maior número de voluntários estrangeiros a serviço dos alemães veio da União Soviética, apesar de que não foi somente no final da guerra que os padrões raciais da SS diminuíram a tal ponto de permitir que unidades SS russas fossem formadas. Quase desde o começo da campanha na Rússia, um número expressivo de prisioneiros de guerra e desertores soviéticos ofereceram seus serviços aos alemães. Conhecidos como Hilfswilige – literalmente “voluntários”, porém mais conhecidos como “voluntários auxiliares” e geralmente apelidados de “Hiwis” – estes homens serviram inicialmente em seus uniformes soviéticos, passando mais tarde a usar uniformes alemães.

Entretanto, nem todos esses recrutas foram bons soldados e podendo ser apenas utilizados em serviços de apoio, como motoristas, camareiros, pedreiros, lenhadores e mesmo chefes de cozinha. Isto permitiria que soldados alemães, que realizavam essas tarefas nada enobrecedoras, fossem enviados ao front. Estas tropas estrangeiras teriam atingido melhores resultados se tivessem sido treinadas e comandadas por oficiais compatriotas e recrutados em regimentos autônomos e com comandantes motivados. Ao invés disso, Hitler ordenou que estas unidades fossem absorvidas por regimentos alemães, com oficiais e sargentos da Wehrmacht e da Waffen-SS no comando, os quais eram conhecidos por sua dureza e falta de confiança.

Em alguns casos, estes soldados estrangeiros acabariam se rebelando e assassinando seus superiores alemães, como aconteceu com os bósnios em Aveyron em setembro de 1943, quando cinco oficiais alemães da SS foram assassinados, ou para entregar-se ao inimigo, como aconteceu aos georgianos na batalha de Carentan na Normandia, em julho de 1944. Estas traições na reta final da guerra aconteceram, respectivamente, por causa do péssimo tratamento a que as Osttruppen eram submetidas ou para mostrar às tropas aliadas que eles não eram nazistas. Consequentemente, mesmo em altas posições, estes homens eram considerados como um mal necessário e tinham que aguentar todo tipo de insultos, zombarias e assédio de seus mestres alemães, mesmo que as ordens do Alto Comando exigissem tratamento igualitário para todos os soldados.

Uma das unidades estrangeiras mais interessantes a serviço do Terceiro Reich foi a Legião Voluntária Indiana (Indische Freiwilligen Legion), criada pelo líder nacionalista Chandra Bose para lutar contra o domínio britânico na Índia. Ela foi formada através da captura de soldados indianos servindo as forças britânicas na África do Norte. Entre os 17.000 prisioneiros indianos, 3.500 concordaram em se alistar no exército alemão. A Abwehr (agência de inteligência das forças armadas alemãs) planejou para a Legião Indiana acompanhar as forças do Eixo no Cáucaso e então seguir atravessar o Irã em direção da Índia para desestabilizar o domínio britânico naquele país através de revoltas populares. Foi mesmo considerado lançar os voluntários indianos de paraquedas (uma força estimada em 800 soldados). Em janeiro de 1942, cerca de uma centena deles foi lançada na parte oriental do Irã e eles conseguiram promover alguns atos de sabotagem contra instalações inglesas. Entretanto, a operação foi cancelada devido à vitória dos soviéticos em Stalingrado. De qualquer forma, o recrutamento dos indianos foi difícil. A primeira unidade, o 950º. Regimento, com três batalhões, composto de dois terços de mulçumanos e um terço de hindus se amotinou na batalha de El Alamein em 1942. Em 1943, os indianos mulçumanos foram incorporados à 13ª. Divisão SS de voluntários da Bósnia-Herzegovina, uma divisão alpina, totalmente composta de mulçumanos. A legião indiana jamais conseguiu se impor militarmente, sendo relegada a funções de guarnição.

 
Soldado indiano do Exército alemão
 
A Legião Naval Croata, formada por 350 voluntários, tornou-se parte da Kriegsmarine e chegou em Varna no Mar Negro em 17 de julho de 1941, iniciando seu treinamento em navios caça-minas e submarinos. Em 30 de setembro, a unidade moveu-se para Gensicek na URSS, onde tornou-se operacional como a 23ª. Flotilha Caça-Minas da Kriegsmarine. Incapaz de operar seus navios no inverno, os marinheiros cavaram trincheiras e lutaram como infantes para defender a cidade dos ataques russos. Em abril de 1942, eles voltaram ao mar e permaneceram até o final do ano, quando retornaram para a Croácia. Em outubro de 1943, a legião foi desfeita e seus membros foram alocados para os navios da Kriegsmarine operando no Mar Adriático.

As Osttruppen do Exército alemão tiveram, é claro, um papel secundário comparado àquele da Wehrmacht nas operações terrestres. Mas, apesar disso, algumas destas formações estrangeiras lutaram bravamente. Isto porque estes soldados pertenciam a etnias perseguidas por séculos por todo tipo de invasores, de modo que eles viam a Alemanha como o único meio de obter sua independência. Na Normandia, os Georgianos do 795º. Batalhão deram muito trabalho às 82ª. e 101ª. divisões aerotransportadas americanas, enquanto que o 835º. Batalhão Caucasiano do Norte e o 781º. Batalhão Turquistanês lutaram contra o Regimento britânico Dorset.

Os soldados mais azarados da Segunda Guerra Mundial com certeza foram aqueles que os alemães recrutaram para as Tropas Orientais. Esses povos tiveram suas identidades roubadas inúmeras vezes, já que pertenciam a países asiáticos ou orientais antigos que sofreram invasões mongóis, turcas e russas entre os séculos I e XVIII e mudavam de nacionalidade de acordo com a do invasor. Passando do regime czarista para o soviético, eles perderam novamente suas identidades e lutaram contra a nova forma de governo. Com a chegada dos alemães, uma parte desses “soldados soviéticos” tornou-se “soldados da Wehrmacht”, alguns recrutados forçosamente, outros com a vaga esperança de uma queda do regime comunista.

Eles foram deslocados em direção do oeste, especialmente para a França e foram novamente extirpados de sua nacionalidade, deixados sem nenhuma escolha a não ser lutar com os alemães. Quando estava claro que a Alemanha perderia a guerra, eles perceberam que seriam feitos prisioneiros e possivelmente enviados à União Soviética, onde a morte por traição era praticamente certa. Alguns desertaram e se alistaram na Resistência; os armênios e croatas se infiltraram nas cidades francesas; aos indianos e asiáticos restava esperar a chegada dos Aliados; os rebeldes, saqueadores, assassinos e estupradores fugiram para a África do Norte.  
 
Soldado indonésio da Waffen-SS (A Indonésia era Colônia holandesa
na época e a Holanda estava ocupada pelos alemães)

                                                
Fontes:

Caucasian, Muslim and Asian Troops of the Wehrmacht and SS. J.F. Borsarello e W. Palinckx, 2007.

Hitler´s Foreing Divisions. Chris Bishop, 2005.

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Um comentário:

Tião Ferreira disse...

Taí. Pouco se sabe sobre essas forças, a historiografia oficial sequer as menciona. Parabéns pelo artigo, servirá de referência para minhas HQs de guerra.